08/11/2008 :: Tomadas de decisões nas organizações de autogestão em saúde: algumas experiências adotadas em Minas

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2008-11-08

Tomadas de decisões nas organizações de autogestão em saúde: algumas experiências adotadas em Minas

RESUMO

O presente estudo descreve como surgiram as organizações de autogestão em saúde, como foi criada a lei 9656, como elas contribuíram, ampliaram e regulamentaram os serviços de saúde, tendo como objetivo analisar as tomadas de decisões nas organizações de autogestão em saúde.

Foi realizado um estudo entre três organizações de autogestão em saúde, do Estado de Minas Gerais, por meio de entrevista com um dirigente de cada organização, no qual foram pesquisadas informações sobre experiência profissional e o tempo de gestão destes dirigentes. Foi também investigada a política organizacional para escolha ou eleição dos gestores e quem estabelece e implementa as estratégias.

Os principais resultados apontaram que, alguns dirigentes, não têm uma participação ativa na criação e implementação das estratégias, por cada organização apresentar a presença de um Conselho, que aprova todas as tomadas de decisão. Concluiu-se também que, o perfil dos dirigentes está diretamente relacionado aos valores, propósito e missão das organizações e que cada uma delas possui uma política diferenciada para o tempo de gestão e escolha dos gestores.

Palavras-chaves: organizações de autogestão em saúde, dirigentes, estratégias.

ABSTRACT

The present study describes how the self-administration health corporations emerged, how the 9656 law was created, and how these corporations contributed, enlarged and ruled the health services. Its purpose was to analyze how the decisions were formulate inside the self-administration health corporations.

A comparative study with three self-administration health corporations from Minas Gerais was conducted. Managers’ information related to professional experience and period in charge on the position were collected during an interview. Furthermore, the organizational politics for electing or choosing the managers and who sets and implements the strategies were also investigated.

The mainly results shown that some managers do not actively participate in the process of creating and implementing strategies, because of a presence of a senate which are responsible for approving all the decision making. In addition, the managers’ profiles were directly related to the corporation values, purposes and mission and each corporation had a differentiated policy for the manager election and the period in charge.

Key Words: self-administration healthy corporation, managers, strategies.

INTRODUÇÃO

As más condições de atendimento oferecidas pelo sistema público de saúde abriram espaço para a crescente atuação das empresas de medicina de grupo, no setor da saúde no Brasil. Assim, em 1984, foi fundada a Associação Brasileira de Serviços Próprios de Saúde de Empresas (ABRASPE), com o objetivo de reunir as empresas com serviços próprios de assistência à saúde e de realizar um trabalho de mobilização, de prestação de serviços às associadas e de disseminação das melhores práticas e dos mais eficazes projetos inerentes ao Sistema Suplementar de Saúde.

Em 3 de junho de 1998, foi sancionada a Lei nº 9.656, que deu início à regulamentação dos planos privados de assistência à saúde. A Lei considera pessoas jurídicas de direito privado, aquelas que operam planos privados de assistência à saúde e que oferecem atendimento com serviços próprios ou de terceiros. São também considerados pela Lei os seguros privados de assistência à saúde, que comercializam seguros, garantindo a cobertura de riscos de assistência à saúde, mediante a livre escolha dos serviços e reembolso das despesas pagas pelo segurado. Inclui-se ainda na abrangência desta Lei, as entidades ou empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão (CIEFAS, 2000).

De acordo com a ABRASPE, o objetivo das empresas de autogestão é proteger e promover a saúde dos usuários, com recursos e serviços credenciados (convênios) ou de livre-escolha (reembolso).

Para o exercício dos cargos de direção das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde (OPS), onde está incluída a modalidade de autogestão, foi editada outra Resolução (RN nº 11 de 22 de julho de 2002) que considera administradores aqueles que forem eleitos ou nomeados, que tenham exercido pelo prazo mínimo de dois anos, funções de direção em entidades públicas ou privadas, ou ainda, em órgãos da administração pública federal, estadual ou municipal, ou que tenham exercido pelo prazo mínimo de três anos, funções de assessoramento em empresas do setor de saúde.

A direção das organizações de autogestão em saúde pode ser exercida de forma predominante pela empresa patrocinadora, no caso de plano para seus empregados; predominante pelo corpo social, no caso de associações de classe ou cooperativa; ou ainda, de forma conjunta (co-gestão), no caso de planos de entidades cujos participantes são ligados também às empresas patrocinadoras (CIEFAS, 2000:30). A implantação, administração e operacionalização de um plano de saúde de autogestão podem ser feitas dentro da própria estrutura da empresa patrocinadora, pela diretoria de recursos humanos. Estas atividades podem ser exercidas, também, por uma sociedade civil de direito privado, sem finalidade lucrativa, criada para este fim, ou por uma entidade já existente, até mesmo com outros objetivos estatutários, ligada à patrocinadora ou a seus empregados.

As entidades de classe independentes ou cooperativas de usuários terão como mantenedores do plano os próprios associados ou cooperados que aderirem ao plano e o total de suas despesas serão rateados entre eles (CIEFAS, 2000:33). Dessa forma, para administrar uma organização de autogestão em saúde, que não tem na saúde sua atividade fim, a alta direção, de uma maneira geral, é indicada ou eleita.

REFERENCIAL TEÓRICO

Este trabalho faz uma discussão sobre as diversas abordagens sobre a estratégia empresarial, tal como proposto por Whittington (2002), e analisa a função gerencial e a formação dos dirigentes, buscando identificar quem são os tomadores de decisões e sua participação no desenvolvimento e implementação das estratégias organizacionais.

Whittington (2002) identifica quatro diferentes abordagens acerca da estratégia empresarial: a abordagem clássica, a abordagem evolucionária, a abordagem processualista e a abordagem sistêmica. Cada uma destas abordagens tem interpretações diferentes no que diz respeito ao processo de formulação estratégica e ao objetivo da estratégia. As abordagens clássica e evolucionária vêem a maximização do lucro como o resultado natural do desenvolvimento da estratégia. As abordagens sistêmica e processual são mais pluralistas, pressentindo outros resultados possíveis do lucro. Em relação aos processos, a evolucionária se alia à processualista ao enxergar a estratégia como algo que emerge dos processos governados por acasos, confusão e conservadorismo. Por outro lado, embora diferentes quanto aos resultados, as abordagens clássica e sistêmica concordam em que a estratégia pode ser algo deliberado.

A Abordagem Clássica

De acordo com Whittington (2002:2), esta abordagem é a mais antiga e ainda a mais influente, contando com métodos de planejamento racional predominantes na literatura. Dentro dessa abordagem, segundo Chandler (1962:13): “Estratégia é a determinação das metas e objetivos básicos e de longo prazo de uma empresa e a adoção de ações e alocação de recursos necessários para atingir esses objetivos”.

Whittington (2002:3) explica ainda que, para os clássicos, como Igor Ansoff (1965, 1991) e Michael Porter (1998), dominar os ambientes internos e externos exige um bom planejamento, onde a estratégia é importante nessa análise racional e as decisões objetivas fazem a diferença entre o sucesso prolongado e o fracasso. Whittington (2002:13) também comenta que, Alfred Chandler (1962), Igor Ansoff (1965) e Alfred Sloan (1963) foram quem estabeleceram as características principais da abordagem clássica: o apego à análise racional, o distanciamento entre concepção e execução e o compromisso com a maximização do lucro.

De acordo com Porter (1998:11) a essência da formulação estratégica é lidar com a competição. Entretanto, tende-se a perceber a competição de forma muito limitada. Qualquer que seja o esforço coletivo de uma empresa, o objetivo estratégico dela é encontrar uma posição no setor onde ela possa melhor se defender contra as forças básicas (rivalidade, ameaças de novos entrantes, poder de barganha dos clientes, ameaça de produtos ou serviços substitutos, poder de barganha dos fornecedores) ou influenciá-las a seu favor. O esforço coletivo das forças competitivas pode ser dolorosamente aparente para todos os antagonistas, mas para lidar com elas o estrategista tem que cavar abaixo da superfície e analisar as fontes de cada uma.

A Abordagem Evolucionista

De acordo com Whittington (2002), esta abordagem aconselha os estrategistas a manter custos baixos e opções abertas. Para os evolucionistas, os mercados são muito imprevisíveis e difíceis para justificar grandes investimentos em planejamento estratégico. Segundo Whittington (2002), a natureza dinâmica, hostil e competitiva dos mercados não apenas implica que a sobrevivência prolongada não pode ser planejada, mas também assegura que somente as empresas que, de algum modo, descobrem as estratégias de maximização de lucro sobreviverão. Portanto, do ponto de vista evolucionário, é o mercado e não os gerentes, que faz as escolhas mais importantes.

Whittington (2002:5) explica ainda, que os evolucionistas consideram o futuro como algo muito volátil e imprevisível para ser planejado e aconselham que a melhor estratégia é concentrar-se na maximização das chances de sobrevivência hoje.

De acordo com Whittington (2002:19), a abordagem evolucionista de estratégia tem menos confiança em planejar e agir racionalmente. Em vez de contar com os gerentes, os evolucionistas esperam que os mercados garantam a maximização do lucro. Dando ênfase aos processos competitivos da seleção natural, os teóricos dessa abordagem não receitam necessariamente métodos de planejamento racional; ao contrário, eles argumentam que, seja qual for o método adotado pelos gerentes, somente os melhores jogadores sobreviverão.

Segundo Whittington (2002:21), com base nas visões processualistas sobre as dificuldades em gerenciar mudanças, os teóricos evolucionistas enfatizam a capacidade limitada das empresas em prever e reagir apropriadamente às alterações no ambiente. Os evolucionistas, ainda de acordo com Whittington (2002:21), em geral insistem que os mercados não apenas são muito competitivos para investir em estratégias caras, como também são muito imprevisíveis. Portanto, a estratégia pode ser uma ilusão perigosa.

A Abordagem Processualista

De acordo com Whittington (2002:2), os processualistas, assim como os evolucionários, também questionam o valor do planejamento racional no longo prazo, enxergando a estratégia como um processo emergente de aprendizado e adaptação. E, de acordo com Mintzberg (1994), na prática a estratégia emerge mais de um processo de aprendizado e comprometimento do que de uma série racional de grandes saltos para frente.

De acordo com March (1976), a clássica seqüência – formulação em primeiro lugar e implementação em segundo – se reverte: a estratégia é descoberta durante a ação.

Assim como March (1976), Mintzberg (1987) concorda que não se pode separar o pensamento da ação. A conexão íntima entre o pensamento e a ação é o segredo de uma arte e também da criação de uma estratégia.

Mintzberg (1998), desenvolveu uma tese simples: a imagem de uma criação artesanal é a que melhor representa o processo de elaboração de uma estratégia eficaz. Para o desenvolvimento dessa tese, tomou como base a experiência de um artífice (no caso, uma escultora) e a comparou com os resultados de um projeto de pesquisa que acompanhou as estratégias de várias corporações durante muitas décadas. Ele propõe uma análise onde o artífice é visto como uma organização de um só indivíduo e deve solucionar um dos grandes desafios que o estrategista enfrenta: conhecer as capacidades da organização o suficiente para pensar profundamente sobre sua direção estratégica.

Segundo Mintzberg (1987), em um mundo tão complexo e cheio de surpresas, o estrategista precisa reter a proximidade, a consciência e a adaptabilidade do artesão, em vez de repousar sobre o orgulho de grandes planejamentos de longo alcance. A estratégia do artesão é um processo contínuo e adaptável, no qual a formação e a implementação estão indissoluvelmente ligadas.

Hamel e Prahalad (1995:17), como teóricos processualistas, afirmam que não basta uma empresa diminuir seu tamanho e aumentar sua eficiência e rapidez. Por mais importantes que sejam essas tarefas, ela também precisa ser capaz de se reavaliar, regenerar suas estratégias centrais e reinventar seu setor. Hamel e Prahalad (1995:26) propõem uma visão de estratégia onde uma empresa precisa desaprender grande parte de seu passado para poder descobrir o futuro.

Para Hamel (2001) não basta que as organizações melhorem as coisas e nem que simplesmente resolvam os problemas racionalmente. É preciso mudar tudo, revolucionar. Ele defende esse ponto de vista e fala do fim da Era do Progresso e da chegada da Revolução. É a velha-guarda versus a vanguarda. O poderio do estabelecido versus a força da imaginação. Portanto, o desafio é superar as inovações dos inovadores. Não basta reformular o produto ou o serviço; é preciso reformular também o conceito do negócio, imaginando soluções completamente novas para as necessidades dos clientes.

A Abordagem Sistêmica

Segundo Whittington (2002:2), a abordagem sistêmica é relativista, considerando os fins e os meios da estratégia como ligados às culturas e aos poderes dos sistemas sociais dos locais onde ela se desenvolve. Do ponto de vista dessa abordagem, a estratégia é importante, mas não do mesmo modo como é vista pelos clássicos.

Os teóricos sistêmicos são menos pessimistas que os processualistas quanto à capacidade das pessoas em conceber e implementar planejamentos racionais de ação e bem mais otimistas que os partidários da abordagem evolucionista no que diz respeito à habilidade das pessoas em definir as estratégias ante as forças de mercado.

Os teóricos sistêmicos mantêm a fé na capacidade das organizações planejarem e agirem efetivamente dentro de seus ambientes. O ponto em que eles diferem dos clássicos, no entanto, é em sua recusa de aceitar as formas e os fins da racionalidade clássica como algo mais que fenômenos específicos, do ponto de vista histórico e cultural. Os teóricos sistêmicos insistem em que as razões por trás das estratégias são peculiares a determinados contextos sociológicos.

As abordagens sistêmicas enfatizam que as metas e processos estratégicos refletem os sistemas sociais em que a estratégia está sendo elaborada. Variações no mercado, classe, estado e sistemas culturais são relevantes para a estratégia corporativa. Nem todas as empresas, no entanto, dentro de determinado sistema social precisam ser parecidas. As sociedades são complexas demais e as pessoas são individualistas demais para se esperar uma uniformidade agradável. Os estrategistas individuais são capazes de construir, com os aspectos diversos e plurais de seus sistemas sociais particulares, as próprias estratégias criativas e exclusivas (WHITTINGTON, 2002:40-42).

Ainda segundo Whittington (2002:43), todo estrategista deveria analisar seu sistema social específico, a fim de captar a variedade de recursos e regras de conduta social disponíveis. Whittington (2002:44) conclui que a perspectiva sistêmica desafia a universalidade de qualquer modelo estratégico. Os objetivos da estratégia e os modos de formulação de estratégias dependem das características sociais dos estrategistas e do contexto social dentro do qual eles operam.

A Função Gerencial

Segundo Whittington (2002:49), a literatura clássica projeta a imagem dos estrategistas como profissionais da administração, dedicados a suas empresas, com julgamentos impessoais e promovidos por seus méritos. São as expectativas e atitudes implícitas em todo diploma de MBA: a competência gerencial e a dedicação ao trabalho podem levar qualquer um aos postos de direção.

De acordo com Alfred Chandler (1990), no século XX, foram exatamente esses gerentes graduados que assumiram posições de liderança em todas as principais economias avançadas no Ocidente. O estudo feito por ele sobre a evolução das grandes empresas nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido de 1888 à década de 1940 ressalta a transição do controle de família, para o atual capitalismo gerencial profissional fundado na meritocracia.

No final do século passado, os estrategistas ainda eram os grandes empreendedores industriais dos livros de história. A radiografia feita por Chandler (1990) do gerenciamento profissional representa a base do pensamento clássico. Porém, mais recentemente alguns autores da teoria clássica passaram a defender um novo modelo de alta gerência – o líder heróico, cujas visões inspiradas transcendem os cálculos secos da rotina profissional (WHITTINGTON, 2002:50).

Segundo Whittington (2002:117), sob a perspectiva sistêmica, chegar à direção não depende nem de mérito nem de heroísmo, surgem acusações de interesse gerencial próprio e privilégio social. Em vez de comemorar as qualidades pessoais dos líderes, os teóricos sistêmicos enfatizam as características sociais daqueles que chegam a posições destacadas. Os teóricos sistêmicos suspeitam de que a eficiência organizacional muitas vezes seja definida em termos do que vai ao encontro de interesses da alta gerência, e ressaltam, de qualquer modo, como o que é eficiente varia amplamente de acordo com o contexto social.

Mas de acordo com Motta (2003), a prática e a teoria mostraram depois que as dissociações previstas entre dirigentes e executores são em grande parte inexistentes. Executivos, gerentes ou administradores trabalham essencialmente na decisão e, mais que seus superiores, estabelecem sentidos de direção para suas empresas e instituições. Além do mais, na organização contemporânea, as funções administrativas têm adquirido maior semelhança entre níveis hierárquicos, reduzindo-se assim as separações nítidas entre gerência superior e inferior.

Seguindo uma linha semelhante, para Mintzberg (1978) tanto os clássicos quanto os sistêmicos estão convencidos de que o que realmente interessa é o que a alta gerência faz e pensa. Seja qual for a intenção da direção, a estratégia real da empresa muitas vezes emerge de uma combinação de casualidade e rotinas que mudam lentamente do meio da organização.

METODOLOGIA DA PESQUISA

A presente pesquisa caracteriza-se por ser do tipo qualitativa, pois busca retratar uma realidade vivida pelos dirigentes das organizações de autogestão em saúde. Como cada organização representa uma classe de profissionais, percebeu-se a necessidade de se utilizar desse tipo de pesquisa, para verificar se os altos dirigentes são os formuladores das estratégias, e se eles empregam suas qualificações e preferências conceituais relativas à sua formação na resolução dos problemas estratégicos.

O levantamento e análise dos dados visaram uma interpretação detalhada e fidedigna da realidade social em que os dirigentes, indicados ou eleitos por votos, passaram a ficar inseridos em um contexto, que muitas vezes, era totalmente novo para eles.

Quanto aos fins, esta pesquisa é descritiva, porque expõe características das organizações de autogestão em saúde com abrangência no Estado de Minas Gerais, podendo também estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza.

Este trabalho é de cunho descritivo-explicativo, uma vez que é dada ênfase à descrição e à compreensão se os altos dirigentes de uma organização de autogestão em saúde são os formuladores das estratégias.

Para realização desta pesquisa utilizou-se a estratégia do Estudo de Caso, que apresenta experiências em três organizações de autogestão em saúde com abrangência no estado de Minas Gerais, analisando como ocorrem as tomadas de decisões nestas organizações.

Em um universo de dezessete organizações de autogestão em saúde, com abrangência no estado de Minas Gerais, a pesquisa foi realizada em três dessas organizações e foi selecionada a partir dos seguintes critérios: 1) organizações onde a diretoria é indicada ou eleita por votos e 2) organizações com abrangência estadual. Foram escolhidos presidentes e diretores das três organizações de autogestão em saúde mais representativos, em termos de número de usuários e faturamento, no mercado de Minas Gerais.

Para a realização do estudo, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e análise de documentos, além da pesquisa bibliográfica. As entrevistas se desenrolaram a partir de um roteiro básico. Foram, também, analisados documentos, como atas de reuniões do conselho e diretoria, estatutos, relatórios.

Ao fazer a análise dos dados da pesquisa, este trabalho considerou as seguintes variáveis: a formação e a experiência profissional dos dirigentes; como é realizado o processo de escolha e eleição destes dirigentes; o tempo de dedicação ao cargo de gestor da organização de autogestão em saúde, que estes dirigentes disponibilizam e quem define as estratégias e como são implementadas.

RESULTADOS DA PESQUISA

Neste item pretende-se discutir os resultados da pesquisa que mais se relacionam com os objetivos gerais, específicos e à pergunta do trabalho em questão.

Formulação e implementação das estratégias

Sobre o desenvolvimento e implementação das estratégias, as organizações apresentaram comportamentos semelhantes. Na Organização A as políticas gerais da administração e os planos de benefícios, são de responsabilidade do Conselho Deliberativo. A Diretoria Executiva fica responsável pela elaboração das normas necessárias ao funcionamento da organização, controlar e fiscalizar as atividades de seus agentes e representantes.

Na Organização B, as diretrizes básicas que orientam os atos da administração são traçadas pelo Conselho Consultivo. Mas, de acordo com o Diretor Presidente, é a diretoria quem define metas e objetivos os quais precisam ser aprovadas pelo Conselho.

Na Organização C, de acordo com a Diretora Presidente, é a diretoria quem define e implementa os objetivos estratégicos. Mas, para a implementação é necessária a aprovação do Conselho Curador, podendo a realização das ações, exceder um exercício. De acordo com o estatuto da Organização C, a Diretoria Executiva executa as diretrizes fundamentais e cumpre normas gerais baixadas pelo Conselho Curador, dentro dos objetivos por ele estabelecidos. Percebe-se aí uma contradição de informações. Mas, a relevância destas informações está na dependência das três organizações em relação à aprovação dos Conselhos os quais elas estão subordinadas.

Para uma melhor análise é preciso evidenciar algumas informações. De acordo com a missão da Organização A e seu compromisso, a história revela o valor que a organização oferece aos relatórios anuais e às prestações de contas dos exercícios, visando uma análise comparativa dos números com exercícios anteriores, os quais são de responsabilidade da Diretoria Executiva.

Dentro deste contexto, é de responsabilidade também da Diretoria Executiva da Organização A desenvolver um planejamento orçamentário que é apresentado no fim de cada exercício, ao Conselho Deliberativo, com propostas estratégicas para o próximo exercício e que deve vir acompanhado de relatórios que proporcionem um estudo comparativo com exercícios anteriores. Portanto, a Diretoria Executiva propõe estratégias, que precisam, antes de serem executadas, da aprovação do Conselho, que poderá orientar como elas serão desenvolvidas e implementadas.

Além disso, qualquer fato que acontecer e decisões relevantes que precisam ser tomadas na organização, o Conselho Deliberativo deve ser informado imediatamente, e esta comunicação é de responsabilidade do Presidente da organização.

A Organização B, de acordo com sua finalidade e objetivos, direciona todo seu esforço para atender seus associados na instituição de um completo plano de saúde, no que se refere às questões de saúde médica, odontológica, psicológica e fisioterápica. Destina seus recursos financeiros para o atendimento desses objetivos, por ter o Plano de Saúde como prioridade máxima da organização.

A Organização C, conforme os seus objetivos primordiais, visa prestar assistência social e promover o bem-estar dos seus associados, “propiciando segurança e tranqüilidade ao alcance da saúde integral de seus usuários” (propósito da Fundação). A Organização C ressalta também, a importância do plano de custeio o qual apresenta os regimes financeiros e os respectivos cálculos atuariais, assim como a forma de aplicação do seu patrimônio de acordo com as estratégias propostas. Também é apresentado ao Conselho Curador, para aprovação dentro do exercício financeiro, o orçamento-programa para o ano seguinte, acompanhado dos planos de ação.

Assim, de acordo com a pesquisa, todas as três organizações, demonstraram ainda não possuir um planejamento estratégico formal. O que elas elaboram ao final de cada exercício é o planejamento orçamentário para o próximo ano. Nesse sentido, não se pode utilizar em organizações desse tipo a abordagem clássica sobre estratégia, porque estes teóricos acreditam que a formulação e o controle da estratégia é a principal tarefa dos altos dirigentes.

Por outro lado, analisando os objetivos das organizações, percebe-se, de um modo geral, que as estratégias de funcionamento estão voltadas para os processos internos. Desta forma, esta análise confirma a abordagem sistêmica de Miles e Snow (1978), onde eles explicam que, a supremacia de qualquer grupo específico faz diferença para as estratégias, porque os gerentes empregam as qualificações e preferências conceituais ao lidar com problemas estratégicos. Cada organização tem normas que vão orientar as estratégias, variando de acordo com as regras culturais da sociedade local. Cada organização pesquisada tem suas micro-políticas que envolvem não só indivíduos e departamentos, mas também os grupos sociais, interesses e recursos do contexto circundante.

A influência da escolha, do tempo de gestão e da remuneração dos dirigentes nas empresas pesquisadas.

Em relação às políticas organizacionais para escolha dos gestores, as três organizações têm um Conselho que elege ou indica estes profissionais. Na Organização A, os diretores são escolhidos pelo Conselho Deliberativo, precisando o profissional ter 10 (dez) anos de vinculação ao Plano de Previdência, curso superior e experiência de gestão. É observada também a experiência profissional, integridade pessoal e o alinhamento destes profissionais com os valores da Empresa X, que mantém, juntamente com seus empregados, a Organização A.

Diante das informações obtidas na pesquisa da Organização A, percebe-se que o perfil do gestor está relacionado com a cultura da Empresa X, porque só vão assumir cargo de diretor aqueles profissionais capazes de propor e implementar estratégias baseadas nas diretrizes traçadas e propostas pelo Conselho. Para isso precisam ser dirigentes comprometidos com os princípios e objetivos da Empresa X, que de certa forma vão levar estes valores para a Organização A, propondo metas de curto e longo prazo vinculadas aos objetivos da empresa.

Isto, de certa forma, confirma o referencial teórico porque, para a perspectiva sistêmica, chegar à direção não depende de mérito. Em vez de enfatizar as qualidades pessoais dos dirigentes, os teóricos sistêmicos valorizam as características sociais daqueles que chegam às posições de destaque. E, se o profissional chegou a uma posição de gestor dentro da Empresa X, conseqüentemente, ele pode ser escolhido para ser dirigente da Organização A.

Na Organização C, a escolha e eleição da Diretoria Executiva são feitas pelo Conselho de Administração da Associação de Funcionários, que escolhem pessoas da categoria de Fiscais de Tributos do Estado – FTE e/ou Agentes Fiscais de Tributos do Estado – AFTE. Levam em consideração também as exigências da Lei 9656, sobre o perfil do administrador da organização de autogestão em saúde.

Em relação também à Organização C, para ocupar os cargos de direção são escolhidos profissionais da categoria que dão origem à Organização de autogestão em saúde. De certa forma, ter profissionais em cargo de confiança que conhecem e já estão com as regras do jogo internalizadas, é muito mais fácil para o desenvolvimento e resultados da organização. De acordo com Whittington (2002), a efetividade do dirigente vai depender exatamente do entendimento dele em relação ao contexto organizacional e de saber jogar segundo as regras locais.

Na Organização B, quem indica o Diretor Executivo, o Superintendente Administrativo e o Superintendente da Saúde é o Conselho Consultivo. Ele traça o perfil dos membros da Diretoria Executiva, devendo este órgão ser preenchido por técnicos, com experiência comprovada.

O tempo de gestão dos diretores se difere nas três organizações de autogestão em saúde pesquisadas. Na Organização A, a gestão é de quatro anos; na Organização B o tempo é indeterminado e na Organização C é de três anos.

Em relação ao estudo, percebeu-se através da pesquisa que os dirigentes da Organização A e Organização C estão dando continuidade às estratégias traçadas na gestão anterior. Isto acontece por se ter na administração das organizações de autogestão em saúde, dirigentes que estão no seu segundo mandato, podendo assim colher resultados de ações também implementadas anteriormente. Pode-se dizer então, que o tempo de gestão influencia nos resultados, ao observar o interesse dos dirigentes em continuar na direção das organizações, visando implementação de ações de longo prazo.

Uma informação interessante percebida na pesquisa foi em relação à remuneração dos dirigentes. Na Organização A e Organização B, eles são remunerados pela própria organização e na Organização C os cargos de diretores não são remunerados. Mesmo sem remuneração percebeu-se que na Organização C os dirigentes estão no seu segundo mandato, defendendo a categoria de profissionais na qual estão inseridos. Esta postura destes gestores pode ser interpretada de acordo com o princípio central da teoria sistêmica: aqueles que tomam decisões não são simplesmente indivíduos imparciais, mas pessoas profundamente enraizadas em sistemas sociais densamente entrelaçados.

A importância da formação profissional dos dirigentes

A diretoria da Organização A é composta por três diretores, sendo o Diretor Presidente, jornalista, o Diretor Administrativo-Financeiro, administrador de empresa e com experiência como economista e o Diretor de Seguridade que é engenheiro eletricista com experiência na área financeira.

Na Organização B tem-se a presença de um Diretor Executivo, que é médico e com experiência em gestão, um Superintendente Administrativo-Financeiro, que está cursando Direito e tem dez anos de experiência na área administrativa-financeira e o Superintendente de Saúde que também é médico e tem cinco anos de experiência na área administrativa do setor de saúde.

A diretoria executiva da Organização C é composta pela Diretora Presidente, que é graduada em direito e tem experiência como fiscal do Estado, pelo Diretor Administrativo-Financeiro e Diretor de Seguridade, ambos fiscais aposentados do Estado e graduados em Direito e Contabilidade.

Ao traçar este comparativo, percebe-se que, como as estratégias das organizações, de maneira geral, estão voltadas para os objetivos organizacionais, precisam ter dirigentes com experiências para administrar tanto processos como recursos financeiros. Como a maioria das organizações valoriza em seus objetivos, os balanços patrimoniais, demonstrações de resultados, orçamento-programa, isto justifica a presença da maioria dos dirigentes terem experiência e conhecimento nestas atividades.

Assim, de acordo com os teóricos sistêmicos Miles e Snow (1978), as empresas dominadas por profissionais da produção e da contabilidade tendem a ser cautelosas, voltadas para dentro, defensoras de suas orientações estratégicas. Como as organizações de autogestão em saúde pesquisadas não apresentaram planejamento estratégico e têm na direção, profissionais com formação e experiência na área contábil, pode-se dizer que este item confirma a teoria de Doyle (1990), na qual defende que, empresas que são dirigidas financeiramente, visam o curto prazo, focalizam custos e são voltadas para si mesmas. Pode-se concluir então que, de maneira geral, como não visam o longo prazo não desenvolvem planejamento estratégico.

A maioria das organizações de autogestão em saúde pesquisada também escolhe, para assumir os cargos de direção, profissionais capazes de propor e implementar estratégias baseadas nas diretrizes traçadas e propostas pelo Conselho. Isto vem confirmar a abordagem sistêmica, que segundo os teóricos, as organizações se diferem exatamente de acordo com os sistemas sociais e econômicos em que estão inseridos. Nesta abordagem também, os objetivos da estratégia e os modos de formulação das estratégias dependem das características sociais dos estrategistas e do contexto social dentro do qual eles operam. Por isso a preocupação do Conselho em escolher profissionais que estejam inseridos, comprometidos com os valores e objetivos do contexto organizacional.

CONCLUSÃO

Finalmente, diante de todos os resultados apresentados, é possível tirar algumas conclusões sobre as organizações estudadas.

De acordo com as informações obtidas através da pesquisa, conclui-se que, as três organizações pesquisadas são entidades sem fins lucrativos, portanto não têm nenhum objetivo de maximização de lucro.

A escolha dos dirigentes nessas organizações é feita pelos Conselhos específicos de cada organização, levando em consideração a formação, experiência, comprometimento com valores, princípios e objetivos do negócio. O que nos leva a concluir que a formação profissional dos dirigentes é de fundamental importância, para influenciar na administração dessas organizações, mas não na formulação das estratégias, porque os dirigentes não formulam e nem planejam estratégias.

O que os dirigentes fazem é apresentar para a aprovação dos Conselhos, um planejamento mais orçamentário do que estratégico, no final de cada ano de gestão, propondo objetivos e metas para curto e longo prazo. Algumas decisões são tomadas imediatamente, mas outras situações ficam sendo analisadas por muito tempo, esperando as decisões dos Conselhos, o que implica em morosidade nas decisões, provocando impacto na administração da organização.

Através das entrevistas realizadas com os diretores das três organizações, ficou evidenciada a influência do perfil do gestor na administração, principalmente quando eles relatam sobre as gestões anteriores, que apresentaram diretores com visão imediatista, política, centralizadora, formal e não moderna.

O tempo de gestão também influencia nos resultados da organização, visto a necessidade da reeleição de alguns diretores, para dar continuidade a alguns projetos iniciados e também porque a organização corre o risco de ter dirigentes que não vão dar continuidade às estratégias propostas anteriormente.

Para atender os objetivos das organizações, percebe-se que os dirigentes de uma maneira geral, estão voltados para a operacionalização dos processos, o que pode também justificar a falta do planejamento estratégico nestas organizações. O corpo de diretores está preocupado em prestar contas para o Conselho e não investe um tempo para o estratégico.

Na Organização B a falta de controle do cumprimento das metas, referenciado pelo Diretor Executivo, está mais associada às experiências dele como profissional na área médica do que experiências na área de gestão administrativa, que envolve planejamento, organização, direção e controle. O dia-a-dia desta organização é repleto de telefonemas onde os usuários querem atendimentos especiais e o próprio Diretor Executivo, por ser da área de saúde, passa horas, tentando buscar alternativas, procedimentos, para melhor atender o usuário.

A Organização C tem como foco, além da assistência médica e social, assegurar assistência jurídica e financeira aos usuários, o que justifica a experiência de todos os diretores na área fiscal e graduação em direito e contabilidade. A presença do plano de custeio com os regimes financeiros e os respectivos cálculos atuariais, assim como a forma de aplicação do patrimônio e o orçamento-programa, explica a presença na Diretoria Executiva da Organização C de profissionais da área fiscal e formação contábil. Esta Diretoria Executiva da Organização C exerce também um papel operacional, porque ela executa as diretrizes e cumpre as normas estabelecidas pelo Conselho Curador.

Diante do que foi apresentado, conclui-se que, os dirigentes das organizações não formulam as estratégias, o que resulta em uma gestão centrada nas tomadas de decisões de Conselhos específicos de cada organização.

7 - REFERÊNCIAS:

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