14/02/2007 :: Desigualdade Social no Brasil

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2007-02-14

Desigualdade Social no Brasil

A autora Teresa Sales, explica no texto Raízes da desigualdade social na cultura política brasileira sobre a questão da desigualdade social no Brasil e, ao entrar nesse assunto, ela tenta traçar um retrato da construção da cidadania brasileira, que teve sua expressão primeira naquilo que ela nomeia como cidadania concedida. Assim, ela resgata a cultura política da dádiva, desde a sociedade escravocrata, quando homens livres e pobres, dependentes de favor dos senhores de terras, amesquinhavam-se na sombra de suas dádivas. Essa cultura sobreviveu ao domínio privado das fazendas e engenhos coloniais, sobreviveu à abolição da escravatura, expressou-se de uma forma peculiar no compromisso coronelista e chegou até nossos dias.

A abordagem que a autora faz dessa cultura é conforme a relação de mando e subserviência que manifestou e dominou todo o território brasileiro nos primeiros séculos de sua formação, aprofundando a desigualdade no Brasil. Assim, a saída para essa relação tem se dado em duas direções: em situações de fuga por parte do trabalhador rural e das populações pobres em geral, e na reificação em todas as situações, dos que buscam saída na itinerância do fetiche da igualdade. Segundo Sales (1994) fetiche da igualdade são os fatores mediadores de nossas relações de classe, que têm ajudado a dar uma aparência de encurtamento das distâncias sociais, contribuindo dessa forma para que situações de conflito freqüentemente não resultem em conflito de fato, mas em conciliação.

A autora define em poucas e curtas palavras o título do texto: no Brasil ou bem se manda ou bem se pede. De acordo com Sales (1994) o tema do mando na ciência política está mais associado ao seu complemento natural, expresso na obediência. A autora cita no texto as definições que Weber deu ao poder – “a probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade” – e à dominação – “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis” (WEBER, 1991:33). Ela explica também que, quando se refere à subserviência e não à obediência, está na verdade redefinindo o outro pólo da alteridade em termos de pedir, para além do obedecer.

Sales (1994) cita no texto alguns autores para situar aspectos do domínio territorial enquanto provedor da dádiva. Ela começa por Oliveira Viana que acentua a centralidade do latifúndio na constituição brasileira enquanto nação: “nós somos o latifúndio”. Para ele a centralidade do latifúndio residia menos nas suas características propriamente econômicas que nas marcas de prestígio e poder do senhor rural. Outro aspecto assinalado por ele era sua função simplificadora e, sobretudo, a formação do que ele denomina clã rural, chefiado pelos senhores de engenho e donos de latifúndios cafeeiros. Para Viana (1987:142) essa função tutelar só é exercida pelo fazendeiro local. Só à sombra patriarcal desse grande senhor de engenhos, de estâncias, de cafezais, vivem o pobre e o fraco com segurança e tranqüilidade. Sales (1994) explica ainda que, quando Oliveira Vianna se refere à constituição do clã rural, que para ele é a concretização dos vínculos de subserviência, aponta para fatores de ordem política e não para fatores de ordem econômica. Isso porque seu pressuposto, do ponto de vista econômico, é justamente ao contrário - a tendência era no sentido da separação das classes rurais (VIANNA, 1987:144).

A autora cita também, Sérgio Buarque de Holanda, que desenvolve a idéia do domínio territorial enquanto provedor da dádiva, quando trata igualmente as raízes rurais brasileiras. Ele busca nas raízes ibéricas brasileiras os fundamentos para as relações de mando e subserviência. Tais fundamentos estariam assentados na cultura da personalidade que marcou no Brasil, a falta de coesão e de princípio de hierarquia na vida social.

Gilberto Freyre (1973) é citado também por Sales (1994), por ter destacado dois importantes aspectos do latifúndio: sua responsabilidade por males que antes dele eram atribuídos à mistura de raças (más condições de saúde e perturbações do crescimento da população) e o lado esterilizador do latifúndio quanto à diversidade de cultivos, resultando em péssimas condições de alimentação da população.

Outro autor citado por Sales (1994), é Antonil (1982:89). Segundo ele, sem os escravos não é possível fazer, conservar, aumentar fazenda e nem ter engenho corrente no Brasil. Citado também pela autora, Roberto Schwarz (1973) constrói a categoria do favor como a mediação fundamental entre a classe dos proprietários de terras e os “homens livres”.

Sales (1994), abordando sobre o conceito de cidadania concedida no Brasil, explica que ele tem o propósito de realçar características importantes da cidadania do passado e atual, e que são, ao mesmo tempo, parte constitutiva da construção da cidadania brasileira. Dessa forma, Marshall (1967) também escreve que, a cidadania não é alguma coisa que nasce acabada, mas é construída pela adição progressiva de novos direitos àqueles já existentes.

A autora, buscando pelas raízes da desigualdade social na cultura política brasileira, percorreu algumas interpretações para fazer a relação de mundo e subserviência que conduzem a um tipo de cidadania e que ela nomeou como cidadania concedida. Essa cidadania concedida tem a ver com o próprio sentido da cultura política da dádiva. Os direitos básicos à vida, à liberdade individual, à justiça, à propriedade, ao trabalho; todos os direitos civis, que para o homem brasileiro livre e pobre, eram direitos que lhe chegavam como uma dádiva do senhor de terras.

Em relação ao monopólio do mando associaram-se níveis de violência que era legitimada pelo próprio estatuto da escravidão, regulamentada na tradição e costumes pelos três pês: pau, pão e pano. De acordo com Sales (1994), o drama do mando e da subserviência sofreu mudanças no tempo desde a sua inserção na ordem escravocrata até os dias de hoje. Permanece mesmo muito tempo depois de abolido o trabalho escravo, o seu vínculo de dependência pessoal para com o senhor das terras.

A autora faz referência no texto sobre a teoria de Victor Nunes Leal e considera relevante para a cidadania concedida a sua noção de compromisso, que implica a dádiva do poder. Nesse sentido, a pobreza do brasileiro tem a ver com sua condição de submissão política e social e essa vinculação é mais que uma marca da cultura política herdada do monopólio do mando pelo domínio territorial, é uma marca do estado de compromisso herdado da República Velha brasileira.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: SALES, Teresa. Raízes da desigualdade social na cultura política brasileira. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.25, ano 9, junho de 1994 (p. 26-37).

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